
Mario Ventel no laboratório de Helmintos. Acervo Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Sem data. Autor:J. Pinto

José Barbosa da Cunha no laboratório de estudos sobre a tuberculose. Acervo Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Sem data. Autor: J. Pinto

Trabalhador da Cavalariça, segura um cavalo inoculado. Acervo casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Sem data. Autor: J. Pinto

José Borges no laboratório. Acervo Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. 1904. Autor: J. Pinto
O TRABALHO DOS TÉCNICOS



E eu e este Cunha tínhamos uns cristalizadores de vidro. Uns frascos de vidro retangulares, onde nós colocávamos o cobaio, tinha um estrado de madeira. Colocávamos o cobaio em um tubo cheio de carrapato em cima desse cobaio. E tínhamos que tomar temperatura deste cobaio, duas vezes ao dia. Como é que íamos segurar esse cobaio? [...]Cheio de carrapato! Carrapato infestado com tifo exantemático. [...] Eu vou contar o que eu e Cunha fazíamos, a temperatura é a retal. No termômetro nós colocávamos graxa em volta do termômetro. E nos pulsos, um anel de graxa. Um pegava o cobaio e mantinha em cima do cristalizador. O outro, introduzia o termômetro no reto. Tomávamos a temperatura, introduzíamos o termômetro e as mãos no desinfetante. Carrapato que estava da graxa para baixo, ficava no desinfetante, no lisol, e o cobaio ficava ali. Mas isto foi engendrado por mim e pelo Cunha.[...] O médico, o médico, o médico, que era um alemão, chamado Paulo Regendanz, e que estagiava conosco, é que comandava a pesquisa. Mas neste momento ele saía do laboratório. Ficava eu e o Cunha. Estamos todos dois vivos. Mas trabalhávamos assim (Attillio Borriello, 1986. Acervo COC/Fiocruz. Fita3, lado B)
INGRESSO




Trabalhador |
Familiares que ingressaram posteriormente |
José Muniz de Medeiros |
Antonio Muniz de Medeiros Filho |
Alexandre Amaral |
Henrique Amaral |
Antonio Borriello Junior |
Salvador Borriello, Benedito Borriello, Attilio Borriello, José Borriello |
José Rodrigues Pedro |
Domingos Rodrigues Pedro |
Julio da Silva Ventel |
Mario da Silva Ventel |
João Viegas Pugas |
Antonio Viegas Pugas |
Joaquim Venâncio Fernandes |
Manoel Fernandes, Venâncio Bonfim, Sebastião Patrocínio, Hugo Fernandes e Renê Fernandes |
Alfredo Alves Marreiros |
Rubem Alves Marreiros |
Basilio Aor |
Hamlet William Aor, Waldemar Aor, Benedito Aor |
Fonte: Fundo: Instituto Oswaldo Cruz. Seção: Cadastro de Funcionários Estatutários. Série: Livro de Registros.
CARGOS E FUNÇÕES
Uma prática comum em Manguinhos era o rodízio dos auxiliares pelas diversas oficinas que compunham as Seções Administrativas Auxiliares: biblioteca, museu, desenho, fotografia e microfotografia, tipografia, esterilização e preparo de meios de cultura, distribuição de soros e vacinas, biotérios e cavalariças, mecânica e eletricidade, carpintaria, conservação de imóveis e estradas, oficinas de encadernação, de preparação de ampolas e de aparelhos de vidro.

Sala de vidros no Pavilhão Mourisco. Acervo Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Sem Data. Autor: J.Pinto.

Sala de mecânica no andar térreo do Pavilhão Mourisco. Acervo Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Sem Data. Autor: J.Pinto.

Oficina de carpintaria e serraria no Pavilhão Mourisco. Acervo Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Sem Data. Autor: J.Pinto.
Na seção de meios de cultura, os auxiliares eram responsáveis pelas preparações químicas utilizadas para o crescimento de microrganismos em laboratório. Era necessário saber os tipos de substâncias e garantir um perfeito equilíbrio do pH, testar a qualidade e a esterilização. O serviço atendia a todo o Instituto e produzia grandes quantidades de material que eram enviados para as pesquisas e para a produção de soros e vacinas. Funcionando inicialmente no Pavilhão Mourisco, foi transferido durante a década de 1940 para o andar térreo do prédio do Quinino (Pavilhão de medicamentos oficiais).
O bom desempenho de suas funções, assiduidade, respeito à hierarquia, dedicação, amor ao trabalho e lealdade, faziam parte dos requisitos básicos para ingressar no trabalho dos laboratórios.




Interior de laboratório no Pavilhão da Peste. Acervo Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Data:1905. Autor: J.Pinto.

Laboratório no Pavilhão Mourisco. Acervo Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Sem Data. Autor: J.Pinto.

Laboratório no interior do Castelo. Acervo Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Sem Data. Autor: J.Pinto.
Os três
Nos documentos, os auxiliares de laboratório eram denominados “serventes” e enquadrados como “pessoal subalterno”, nomeados ou contratados. Não havia descrição de normas ou critérios que versassem sobre suas atribuições, admissões, nomeações e ascensão funcional, pois estas questões ficavam a cargo do diretor do Instituto. Era ele quem admitia, contratava e nomeava, conformando mais uma vez o caráter pessoal dessas relações de trabalho.
No primeiro regulamento, datado de 1908, o quadro de pessoal nomeado dos chamados “subalternos” era composto por um chefe de cocheiras, quatro serventes de primeira classe, quatro serventes de segunda classe, cinco ajudantes, um mestre, dois maquinistas e dois foguistas.

Cargos e vencimentos |
Total mensal |
Total anual |
05 auxiliares de laboratório, a 300$000 mensais |
1:500$000 |
18:000$000 |
06 serventes de 1ª classe, a 250$000 mensais |
1:500$000 |
18:000$000 |
06 serventes de 2ª classe, a 200$000 mensais |
1:200$000 |
14:400$000 |
10 serventes de 3ª classe, a 180$000 mensais |
1:800$000 |
21:600$000 |
06 serventes de 4ª classe, a 150$000 mensais |
900$000 |
10:800$000 |
Fonte: Brasil, 1919, p.08.
[...] Aumentar um colega em 30 mil réis que esse aumento não fosse geral, dava uma inveja de morte [...] Porque os aumentos eram de 30 em 30 mil réis. Aumentos pequeninos. Então, tinha uma turma lá de laboratorista ganhando 110. No próximo pagamento vinha... Eu, por exemplo, ou um outro qualquer, 140, mais 30. Ah, minha filha! Aquele que foi aumentado tinha que padecer. Porque não merece, é proteção... Mas isto existe até hoje. O mundo é o mesmo. O mundo não modificou. (Attilio Borriello, 1986. Acervo COC/Fiocruz. Fita 2, lado B).
O Instituto era organizado até em seção. Tinha chefe. Mas o sujeito não se limitava a fazer uma coisa só. Eles faziam o que bem entendiam. Quer dizer, um protozoologista pesquisar tifo exantemático, isso é fora de propósito, não tem nada uma coisa com a outra. Mas isso aconteceu (José Cunha, 1987. Acervo COC/Fiocruz. Fita 1, lado B).
[Entrevistador] ele não recebia por aquelas horas que trabalhava a mais? [AB] Nada, nada, mas se ele ficava doente, se ele tinha um mal estar, ele era amparado, ele era amparado. Eu contei que Chagas mandava até funcionário para Belo Horizonte, para se refazer. Ele tinha amparo. Então ele retribuía dando tudo de si para a repartição (Attilio Borriello, 1986. Acervo COC/Fiocruz, Fita 2, lado B).

[Entrevistador] O senhor quando veio para cá não tinha nenhum benefício? [AB] Nada! Nada, nada, nada, nada. [...] Tudo é de Getúlio. Tudo, todo trabalhador deve rezar para Getúlio. Tudo, tudo que nós temos é de Getúlio Vargas. [...] Nem se discutia isso. [...] a turma que trabalhava aqui, andava por aqui muito pé descalço, e quando entrou Getúlio, depois das leis, a turma usava sapato... quase ninguém usava sapato. [...] trabalhador de campo era pé no chão. Não tinha garantia nenhuma (Attilio Borriello, 1986. Acervo COC/Fiocruz. Fita 2, lado A ).
PENALIDADES E PUNIÇÕES
Dentre as muitas atribuições que cabiam ao Diretor do Instituto, constava nos três regulamentos a aplicação de penas disciplinares. Estas poderiam ser de censura verbal e escrita, com suspensão de até vinte dias. As penalidades valiam para todo e qualquer funcionário de Manguinhos, mas nas notações dos livros de registros funcionais só foram encontradas punições para os cargos do chamado “pessoal subalterno”. As penas no IOC eram aplicadas quase sempre de forma arbitrária e buscavam, sobretudo, regular e normatizar o comportamento dos trabalhadores.
O quadro exibe as penalidades aplicadas aos trabalhadores auxiliares no período entre 1913 e 1936:
Tipo e motivo das penalidades aplicadas aos trabalhadores subalternos do Instituto Oswaldo Cruz no período 1913-1936:
Nome do Trabalhador/Cargo |
Penalidade |
Ano da ocorrência |
Motivo |
Localização |
Oldemar Coelho de Almeida(Servente de laboratório) |
Multado em 01 dia |
1913 |
Por fazer uso do toilette destinado aos empregados superiores; |
Livro 1, folha 38
|
Rômulo Monico dos Santos(Servente de Laboratório) |
Multado* |
1923 |
Por ter faltado após lhe ser negada a licença que solicitara alegando estar doente quando foi visto viajando em pleno gozo da saúde; |
Livro 1, folha 39
|
Suspenso por 10 dias |
1925 |
Por não ter observado a ordem da zeladoria de apresentação regulamentar ao serviço; |
||
Mauricio de Miranda Leila(Servente do quadro extraordinário) |
Multado em 01 dia |
1913 |
Por ter trocado o pernoite que lhe cabia sem previa autorização do zelador; |
Livro 1 folha 57
|
Augusto Vespasiano do Carmo (Servente com vencimentos pela caixa do Instituto) |
Multado em 03 dias |
1916 |
Por ter se dirigido ao assistente Dr. Alcides Godoy sem a devida atenção; |
Livro 1, folha 60
|
Cornelio Dias de Carvalho (Servente de laboratório) |
Multado em 05 dias |
1914 |
Por ter sido encontrado dormindo sobre a mesa no laboratório do Dr. Carlos Chagas em hora de serviço; |
Livro 1, folha 63 |
Multado* |
1914 |
Por ter deixado aberto, sem necessidade, o gás no 3° andar durante a noite; |
||
Cesar Annibale (Mecânico) |
Multado em 01 dia |
1911 |
Por não ter levado ao conhecimento do zelador o incidente ocorrido na cozinha entre os serventes Ernani de Moura Caldas e Balduíno Martins; |
Livro 1, folha 64 |
Adelino Barros
|
Multado em 02 dias |
1914 |
Por ter concorrido para que a carroça, carregada de material, virasse junto à portaria da fazenda; |
Livro 1, folha 69 |
José Marques da Silva(Servente com vencimento pela renda própria) |
Suspenso* |
1929 |
Em vista de denúncia apresentada pelo almoxarife (desaparecimento de drogas farmacêuticas do IOC) até que se apure sua responsabilidade para aplicação de pena maior; |
Livro 1, folha 69 |
Balduíno Martins(Servente de laboratório) |
Suspenso* |
1911 |
Porque se envolveu em um incidente ocorrido na cozinha com Ernani de Moura Caldas; |
Livro 1, folha 78 |
José Coelho dos Santos (Ajudante de pintor) |
Suspenso por 05 dias |
1925 |
Por ordem do Sr Diretor, por não tratar o Zelador com a devida consideração; |
Livro 1, folha 90 |
João Viegas Puga
|
Multado em 03 dias |
1923 |
Por pouco empenho com seus deveres de vigia; |
Livro 2, folha 02 |
Antonio Pereira Coelho (Chauffer) |
Multado em 05 dias |
1924 |
Por ter atravessado o trilho da estrada de ferro Leopoldina com o carro de passageiros enquanto o sinal estava fechado e quase foi apanhado pelo trem; |
Livro 2, folha 04 |
Alfredo Alves Marreiros (Servente de laboratório) |
Suspenso por 08 dias |
1924 |
Por promover desordem com seu companheiro Jayme Antonio da Hora; |
Livro 2, folha 60 |
Manoel Lobão
|
Suspenso por 15 dias |
1928 |
Por ter pego emprestado dois pneumáticos usados com o pintor Domingos dos Santos; |
Livro 2, folha 69 |
Domingos dos Santos (Pintor) |
Suspenso por 08 dias |
1928 |
Por haver emprestado 2 pneumáticos a Manoel Lobão ; |
Livro 2, folha 69 |
Hamlet William Aor (Tipógrafo em 1922 e Servente de laboratório em 1936) |
Suspenso por 05 dias |
1922 |
Por haver desrespeitado o chefe da tipografia; |
Livro 2, folha 88 |
Suspenso* |
1936** |
Por desacato ao diretor do IOC até que o Ministro de Estado da Educação e Saúde decida sobre o seu destino; |
Livro 2, folha 88 |
|
João de Souza(Servente do hospital) |
Dispensado |
1924 |
Insubordinado; |
Livro 3, folha 231 |
Tinha condução da portaria até dentro do Instituto. Era a "Viúva". Quando a gente ou um estudante entrava na "Viúva", os serventes que estavam sentados levantavam- se para dar lugar. Tinha gente que não se sentava. Mas havia esse tipo de disciplina (Hugo de Souza Lopes, 1986. Acervo COC/Fiocruz. Fita 1, lado B).
Eu era garoto de calça curta ainda. Era a primeira vez que eu entrava numa oficina e ainda não estava ambientado. Via as máquinas trabalhando: uma imprimindo, a outra compondo, aquele cheiro de tinta. Toda aquela atividade e eu feito um índio que nunca tinha vindo á cidade, olhando para um lado e para o outro, isto é, procurando me ambientar. Foi quando lá pelas dez horas, o subchefe, um mulato, alto, magro, chamado Tertuliano, chegou perto de mim e disse: “Vamos ver o que você já sabe. Onde é o A, o B, etc.” É claro que eu não ia dizer tudo certo. Eu estava cheio de dedos, ainda. Então ele disse para mim: “Depois do almoço eu venho aqui outra vez. Se tu não me der essa caixa decorada, eu vou te cortar as orelhas com esta tesoura,” E eu disse: “E eu lhe dou com esse ferro na cabeça.” Passei a mão num ferro que tinha lá, que eu nem sabia o que era. “Garoto abusado!” ele disse. Mas eu fiquei revoltado com aquilo. O pessoal ficou me olhando pensando: “Ih, esse é brabo.” [...] Depois de trabalhar quase dois anos na tipografia, surgiu um aborrecimento com o chefe mesmo, o advogado. [...] naquela época batiam! Eu apanhei. Um dia fiquei revoltado, mandei ele dar na mãe dele. O chefe, o advogado. Ah, aí já era demais. Eu disse a ele: “Vá bater na sua mãe, porque eu não sou seu filho”, “Vai embora daqui”, “Não vou sem ordem do diretor.” Eu também era fraco/abusado. Não deixava as coisas em brancas nuvens. Levava a pior sempre, é lógico (Hamlet Aor, 1986. Acervo COC/Fiocruz. Fita 1, lado B).
um rapaz me pediu para ser o substituto dele durante suas férias para trabalhar com o doutor Werneck. [...] A caneta desse médico era uma tesoura. Ele fazia as experiências com bichos, recortava revistas científicas e colava debaixo das figuras. Ficava aquele monte de papel cortado de tesoura por ele. Eu juntava aquilo tudo e botava no lixo. Um belo dia entrou no laboratório o doutor Lauro Travassos e o doutor Carneiro Felipe, da comissão de redação das Memórias do Instituto,[...] com o material todo na mão: as revistas e os trabalhos dele para serem publicados. Disseram: “Doutor Werneck, seus trabalhos não vão ser publicados nas Memórias, o que o senhor está fazendo não é científico. O senhor está plagiando. Olha aqui: está coincidindo com estas separatas de outras revistas científicas. Está aqui. O senhor está recortando e colando embaixo.” Eu tenho a impressão que ele ficou com raiva de mim. Se ficou, é porque subestimou a capacidade científica dos dois cientistas. Eu não disse nada a ninguém. Eu não tinha nada para dizer. Não tinha que me meter nisso. Não era meu campo. Nunca fiz isso com ninguém. [...] Aí, fui almoçar, fechei a porta e deixei o laboratório limpo. [...] Quando eu voltei do almoço, o laboratório estava escancarado: porta aberta, o chão cheio de papel picado. Pensei: “Esse homem é doido. Ele mesmo não quer que deixe o laboratório aberto, como é que ele deixou?” Limpei tudo, varri, botei a porcariada toda dele no lixo, fechei a porta e vim para fora porque ainda era hora do almoço. Quando eu cheguei ali no centro telefônico, no primeiro andar, encostado ao elevador, desce o doutor Fontes, o vice- diretor, que era secretário, doutor Leocádio Chaves e ele. “Olha ele aí” me apontou para o diretor. “Mas você abandonou o laboratório?”, “O que o senhor está dizendo? Não abandonei. Houve isso assim”. Falei. “Você deixou o laboratório aberto?”, “Eu não deixei. É mentira desse safado”, “Esse cara tá mentindo.” Aí, eu já estava querendo outra coisa. Ele disse que me suspendia. “Pode até botar na rua que eu estou pouco me incomodando. Ou o senhor pensa que é só aqui que se trabalha para ganhar o pão do dia? Eu estou aqui emprestado”, eu disse para o diretor. Ficou naquela coisa, ele dizendo que me mandava prender e eu dizendo que ele era um besta. A coisa foi engrossando. Proibiram que eu assinasse o ponto, para me botar na rua como abandono de emprego. Foi o que aconteceu (Hamlet Aor, 1986. Acervo COC/Fiocruz. Fita 2, lado B).
Era evidente a hierarquia existente, e todos os elementos no trabalho garantiam sua estrutura. Isso se observava, por exemplo, no elevador do Castelo Mourisco: havia um compartimento social para os cientistas e outro abaixo deste, o de carga, para os auxiliares. Em um ambiente marcado por diferenças sociais e hierárquicas, o
Um dia eu cheguei aqui, peguei o elevador, e o elevador [...] tinha a parte social que era a parte de cima, e a dos serventes, que era a parte de baixo, né. Isso tem hoje, desde a época do Oswaldo Cruz.[...] antigamente utilizavam. [...] tranqüilamente. E quando o elevador trazia serventes, tá, e que paravam no térreo, os serventes iam pro porão, porque primeiro descia a pessoa, não parava pra descer os serventes, descia primeiro os doutores e depois é que subia pra deixar os serventes. Isso eu peguei essa época. Então um dia, estava o ascensorista e eu que tinha apanhado no térreo o elevador, lá embaixo, lá no térreo. E a Bertha Lutz, [...] entrou aqui no elevador no primeiro andar e ia pra biblioteca, eu ia também. Ela foi, virou-se para o ascensorista e disse – “Escuta fulano”- disse o nome do fulano. – “servente já pode entrar aqui na...” – E aí o rapaz olhou. E eu confesso que até na primeira hora não percebi a coisa. Ele disse – “Não doutora, aqui não tem nenhum servente.” Aí é que eu percebi a coisa. – “Aqui não tem nenhum servente, tem o Dr. Sebastião.” Aí subiu. E ela fez de propósito, porque ela me conhecia inclusive. Mas fez de propósito (Sebastião Oliveira, 1987. Acervo COC/Fiocruz. Fita 6, lado A).
Nenhuma. Basta ver a popularidade, a coisa do Venâncio ou do Nico, por exemplo. Evidentemente eles não sentavam à mesa dos patrões, mas não havia. O que havia, implantado pelo Oswaldo Cruz, era uma disciplina de trabalho muito grande. Isto não há a menor dúvida (Carlos Chagas Filho, 1987. Acervo COC/Fiocruz. Fita 7, lado A).
A primeira personagem a me influenciar e a quem eu me liguei no Instituto foi Joaquim Venâncio. [...] era filho ou neto, creio que era filho, de uma escrava da fazenda de minha avó. Era um caboclo, desse tom um pouco esverdeado que muitos mulatos têm, que não se sabe se vem de índio ou da raça negra, e que um dos meus tios dizia que era uma das características da boa mestiçagem. Joaquim Venâncio era um homem extremamente atraente. Relativamente baixo, era, como se dizia, parrudo, forte, um tronco muito volumoso, talvez mais forte, [...] em proporção, do que as pernas. E de uma afabilidade extraordinária. Tinha pelo meu pai como por Lutz uma grande adoração. E conta-se até que Joaquim Venâncio era utilizado, calças abaixadas [...] nádegas iluminadas [...] pelo Lutz para pegar mosquitos [...] Eu já disse uma vez, e repito aqui, que o meu primeiro grande mestre no Instituto Oswaldo Cruz foi o Joaquim Venâncio, que me ensinou a gostar de bicho, me ensinou como é que se trata os bichos e me ensinou realmente coisas muito importantes. Principalmente me ensinou um trato humano formidável. E nós éramos realmente como irmãos, não tínhamos, quer dizer, eu era uma espécie de filho dele e não só ele me levava ao laboratório do Lutz como também me mostrava as cavalariças, que tinham muito interesse para mim (Carlos Chagas Filho, 1987. Acervo COC/Fiocruz. Fita 6, lado A e Fita 8, lado B).