Se os efeitos do pós-abolição no Brasil reverberam na sociedade até hoje, no início do século passado a situação era ainda pior. Recém-saído de um regime escravocrata, o país, governado por uma elite descendente de proprietários rurais, mesmo sem prover o acesso dos recém-libertos a uma situação de igualdade de direitos e de cidadania política, preocupava-se em como fazer trabalhar quem já não era mais escravizado. Assim, os debates giravam em torno do estabelecimento de um arcabouço jurídico-político que pudesse reprimir a ociosidade e estabelecer uma ideologia moralizante sobre o trabalho. Essa ideologia, baseada na discriminação racial e em políticas de embranquecimento da população, atribuía características distintas conforme a cor da pele: os negros eram considerados pessoas sem senso de moralidade, já os brancos, especialmente os imigrantes, representavam o exemplo de moral e disposição para o trabalho.
No entanto, o trabalho sempre foi um campo de embates e disputas, mesmo antes da abolição no Brasil. Os trabalhadores escravizados nunca foram submissos e empenharam muitos esforços, individuais e coletivos, para reafirmar e negociar seus direitos, interesses e construção de sua cidadania. Nas manufaturas urbanas do século XIX, coexistiam escravizados e livres, e essa experiência em comum influenciou momentos posteriores do processo de formação da classe trabalhadora no Brasil. Uma das estratégias para amenizar conflitos e estabilizar a ordem social estava pautada em relações de cunho paternalista e pessoal entre patrão e empregado. O patrão auxiliava, aconselhava, mostrava-se presente e preocupado, e em troca exigia gratidão, lealdade, respeito e dedicação. O favor atravessava as relações de trabalho envolvendo estima, afetos, símbolos e significados, conservando laços de dependência e mantendo as desigualdades.
Em Manguinhos, essas relações eram frequentemente observadas. Os cientistas, em sua maioria, eram filhos de uma elite agrária proprietária de fazendas de café e gado, que se beneficiavam e lucravam a partir de mão-de-obra escravizada. Já os auxiliares, filhos dos escravizados ou libertos destas fazendas. Ou então, descendentes de imigrantes pobres, alguns contratados, inicialmente, como operários das obras do Castelo, e outros através de laços e redes de sociabilidades entre as famílias desses estrangeiros que vieram tentar a vida no Brasil.
Era unânime entre os pesquisadores do IOC a importância dos auxiliares de laboratório nos processos de trabalho para o desenvolvimento das pesquisas científicas, ensino e produção de medicamentos. Henrique Aragão, pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz desde 1904 e que presidiu a Instituição de 1942 a 1949, escreveu certa vez no periódico Memórias de Manguinhos que o maior facilitador dos trabalhos e o mais apreciado, é que cada um dos jovens pesquisadores passaria a dispor de um auxiliar de laboratório. Para Aragão significava “[...] termos ao nosso lado, a todos os momentos e quaisquer que fossem as circunstâncias, um servidor leal, diligente e sempre muito dedicado a seu chefe” (ARAGÃO, 1950, p.16).